quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

O Playboy, o burguês e o tolo.

Dezoito meses.

Esse é o tempo em que nosso governador pretende e promete levar a internet sem fio para todo o estado . De graça. Um investimento de quarenta milhões de reais, num projeto de pesquisadores da UFRJ, com a chancela do governador. E dinheiro do Estado, através de um fundo para desenvolvimento para a ciência.

Louvável.

O que não tem explicação é começar por Copacabana, mais especificamente pela Avenida Atlântica. É lá que se encontram alguns dos imóveis mais caros da cidade. É lá que está um dos IPTUs mais caros do Rio. É lá que está a maior concentração de renda do bairro, também entre as maiores da Zona Sul.

Palavras do nosso governador: "Agora o carioca vai poder realmente montar seu escritório na praia - chegar, abrir seu notebook, se concetar à internet e despachar vendo o mar".

"Despachar" é um termo odiável. típico de classes detestáveis, como políticos e juízes.

Quando alguém perguntou se o tal carioca teria coragem para levar o notebook para a praia, nosso governador saiu-se com essa: "Bem, para isso, claro, vamos reforçar o policiamento na Avenida Atlântica".

Eu fico imaginando como alguém que mora em Mesquita, Irajá, Coelho Neto, Jardim Primavera, lê uma merda de notícia dessas.

Se nosso governador-playboy realmente levar wireless de graça também para esses lugares nos prometidos 18 meses, eu até perdôo a imbecilidade de privilegiar quem já é privilegiado primeiro.

Mas o problema é que eu sei que, daqui a 18 meses, não vai haver wireless em Mesquita, Irajá, Coelho Neto, Jardim Primavera... e nem na Baixada, para onde ele prometeu em seis meses.

* * *

Notícia da Folha de hoje:

"No primeiro ano da gestão do governador Sérgio Cabral Filho (PMDB), o número de mortos pela polícia do Rio de Janeiro atingiu a maior marca já registrada desde o início da contabilização oficial de mortes em confronto (os chamados autos de resistência) em 1998.

Segundo dados do ISP (Instituto de Segurança Pública) --órgão do governo estadual-- divulgados ontem, foram ao menos 1.260 autos de resistência (rubrica na qual se contabilizam os mortos em supostos confrontos com a polícia). Os registros, no entanto, são subestimados: os dados dos últimos quatro meses do ano são parciais, pois excluem as delegacias não-informatizadas (31,5% do total).

A Secretaria de Segurança afirmou que o secretário José Mariano Beltrame não falaria sobre os índices pois estava em inauguração do anexo feminino do Presídio Tinoco da Fonseca, em Campos dos Goytacazes, Norte Fluminense. A assessoria de Cabral informou que ele não comentaria os números pelo mesmo motivo.

Desde o início do governo, Beltrame afirma que a polícia tem sido "mais ativa do que reativa", o que justificaria o aumento do número de mortos em supostos confrontos.

"A solução para o Rio não é boa. É um remédio amargo", afirmou Beltrame após a megaoperação realizada no dia 27 de junho em que 19 pessoas foram mortas, símbolo da chamada "política de confronto" feita pelo governo Cabral.

Em novembro, laudo feito pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos afirmou que "foram encontradas evidências de morte por execução sumária e arbitrária" em 2 das 19 mortes. A secretaria nega.

Houve queda nas apreensões de armas e drogas. Apesar de os números dos últimos quatro meses serem parciais, a comparação dos índices completos (até agosto) indica queda de, respectivamente, 26,2% e 15,2%."

Aí eu pergunto: você votou contra ou a favor no plebiscito das armas?

A gente tá fodido.

* * *

O grande problema, é que muitos não acham isso. Pra burguesia carioca, a mais detestável desse país, só o próprio umbigo interessa e existe. Se tá tudo bem com ele, então tudo bem.

Mas se morre um rico no sinal no Leblon, se é baleado um filho de alguém conhecido no Alto da Boa Vista ou assaltada uma burguesa duas vezes em cinco minutos na Farani, aí tá tudo errado e nosso governador playboy sai metendo os pés pelas mãos, como, por exemplo, com a idéia genial de proibir carona em moto.

Mas botar a polícia pra apreender armas, em vez de usar as suas pra matar, ele não bota.

A gente tá fodido.

* * *

Toda vez que eu troco de carro, perco cerca de três mil reais em multas. Ma já paguei até mais. Tem um monte de pardais e radares idiotamente instalados na cidade.

Idiotamente, claro, pra mim, que não entendo nada de trânsito, não sou engenheiro da CET-Rio.

Porque em cada pardal ou radar instalado, tem um histórico de acidentes e atropelamentos com morte. Principalmente de madrugada, quando o Rio vira um grande cenário de GTA, seja na ZS, na ZN, na Baixada, onde for.

Eu nunca recorri de nenhuma das multas que tomei. E, quando estou pedestre e vejo um carro avançar o sinal aberto para mim, tento sempre chutar a porta, já há algum tempo. Mais de vinte anos, pra falar a verdade.

* * *

Foi no final dos anos 80. Morava na Góis Monteiro, Botafogo, de cara pro Rio Sul. Um dos sinais de trânsito menos respeitados da cidade, até hoje. Atravessar ali, a qualquer hora do dia, ainda exige atenção.

Num desses dias, pela manhã, ía pro colégio quando, sinal aberto para nós, pedestres, um imbecil resolveu passar, quando muitos já iniciavam a travessia. Reduziu por conta disso, mas não desistiu de avançar o sinal.

Eis que, do nada, um neguinho de uns 12 anos, no máximo, deu um baita chute na porta do carona. Lindo. Em cheio. Amassado feio. Carro de bacana.

Se seguiram uma freada brusca, fumaça, marcas no asfalto, e um motorista, de uns trinta e poucos anos, saindo enfurecido do carro. Tinha umas 20 pessoas atravessando a rua naquele momento. Dessas, umas dez, incluindo eu, se puseram na frente do moleque, sem nada dizer.

Nem foi preciso. O infrator imbecil voltou pro seu carro e seguiu seu caminho, com o rabo entre as pernas. E uma porta amassada.

* * *

Já tem quase quinze anos que eu não moro mais ali. Mas, até hoje, lembro das centenas - centenas mesmo - de vezes em que fui à janela, depois de uma freada seguida de baque seco, para confirmar meu temor: mais um corpo estendido no chão.

Às vezes o rabecão só passava dez, doze horas depois. Quando o assassino já estava em casa. Ou avançando outro sinal.