quarta-feira, 7 de novembro de 2007

"Meio certo não existe, tru, o ditado é comum."

Há dez anos era lançado Sobrevivendo no Inferno, obra dos Racionais MC's que neste tempo se transformou num marco da música brasileira.

E não me refiro à qualidade do disco, dos meus preferidos, e "eleito" mês passado pela edição brasileira da Rolling Stone um dos 100 melhores da história da nossa música (em décimo quarto lugar).

Sobrevivendo foi um marco porque subverteu uma ordem que, até hoje, dez anos depois, tantos insistem em afirmar inquebrável. Mano Brown, Ice Blue, Edy Rock e KL Jay quebraram.

A própria Rolling Stone erra ao afirmar 1998 como a data de lançamento. Comprei o CD em dezembro de 1997, num camelô na Uruguaiana. Só três meses mais tarde conseguiria achar o disco quente, toscamente distribuído pela Cosa Nostra, selo dos caras. Produção independente, distribuição independente, quatro homens independentes que resolveram bancar sua posição.

Sobrevivendo no Inferno vendeu mais de 500 mil cópias originais. Estima-se que tenham sido entre um milhão e um milhão e meio de cópias piratas.

No mês passado, no Roda Viva, da Cultura, Brown defendeu a pirataria com seu ponto de vista simples e reto:

"Mano, eu não posso condenar o cara que vende meu CD pirata. Até porque, vários parceiros sem emprego fazem isso pra sobreviver. É aquela história batida, o cara podia tá roubando, fazendo mil coisas erradas, mas tá ali, tentando trabalhar, montando a barraca dele no centro ainda na madruga, tendo que correr da polícia quando ela chega querendo o arrego ou pegar toda a mercadoria. Você acha mesmo que se ele tivesse uma opção digna de emprego ele estaria nessa situação, tendo que correr de polícia?"

Enquanto isso, artistas consagrados, com gordos contratos com grandes gravadoras, reclamam do prejuízo que a pirataria lhes causa.

Esses artistas, via de regra, moram em casas grandes, com piscina, viajam o mundo, comem bem, têm carro com preço de apê e não pagam quase nada aonde quer que vão.

Que raiva.

Como pode, num país fodido como o nosso, o cara que ganha salário mínimo pagar 36 reais num CD? Ou 17 numa sessão de cinema? Se quiser levar mulher e dois filhos, mais de cinquenta pratas - cerca de quatorze por cento do seu ganho mensal. Isso, pra ver um filminho p-o-r m-ê-s. E, mesmo assim, ele não vai, claro. Livro? Um bom livro não se acha por menos de 30 reais. Mesmo drama.

A opção dele, claro, é pagar 4 reais no CD, 5 no DVD (agora antes mesmo do filme chegar ao cinema) e continuar sem ler, porque a pirataria no setor editorial ainda não pegou.

Tá errado o trabalhador consumir cultura assim, pagando pelo pirata? Tá errado o pirata ao privar o artista consagrado de mais uma colher de caviar? O que seria certo, o pirata ir preso e o trabalhador continuar tendo como opção apenas a Globo?

Caralho, não é possível que as pessoas não entendam. Cultura, nesse país, há tempos e tempos e tempos virou coisa pra rico, pros poucos ricos. O povo, pra ter acesso, deve agradecer pela pirataria. Que, nesse caso, faz papel de Robin Hood e também do próprio povo, garantindo seu sustento.

E não me venham falar de máfia de camelôs, porque essa máfia controla a venda de brinquedos e outras muambas que entram no país sem pagar imposto. Aqui eu tô falando de pirataria de cultura - ou o malfadado direito à propriedade intelectual.

O que me lembra a frase dos Racionais lá de cima. Não existe meio certo. O cara que critica a pirataria muitas vezes baixa música da internet - pirataria. Compra soft na banca do camelô - pirataria. "Ah, mas o Office original custa um aburdo!"

O mesmo absurdo que passaram a custar os ingressos pra show depois que a burguesia deu um tiro no pé com a questão da meia entrada - o mesmo branquinho que bate no peito pra dizer que só viu Tropa de Elite no cinema, usa carteirinha falsa ou de curso de ioga pra pagar meia entrada pro The Police, show mais caro dos últimos tempos.

Até o Maracanã, hoje, me dá a impressão de não ser mais pro povo. Olho pros lados, na arquibancada, e vejo uma gente COMPLETAMENTE diferente da que eu vía quando tinha 15 anos.

A pirataria, no Brasil, é bendito meio pra que o povo tenha acesso à cultura. Não leva artista algum à falência, como estão aí os Racionais pra provar, dez anos depois do disco mais pirateado de todos os tempos.